sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Fim da segunda estadia

Estou novamente no avião de volta a Lisboa.
A segunda viagem a terras angolanas durou quase mês. Foi mais longa que a primeira mas mesmo assim não deu para experimentar o cansaço até porque sinto que ainda tenho muitas coisas por descobrir neste país.
As impressões que levo comigo não mudaram desde a primeira vez e por isso não me vou repetir, no entanto deixo aqui um conjunto de momentos que quero guardar na memória e que ainda não tive oportunidade de falar:

As pessoas a dançar na rua logo às 8 da manhã quando estou a caminho do trabalho...

O Ralph, o pastor alemão da casa de Palm Beach que me acordava de vez em quando a ladrar a meio da noite...


A simpatia da Gabi, uma avantajada vendedora do churrasco em frente à casa de Palm Beach onde partilhei uma espetada de entrecosto e umas Cucas com o António e o André...

A ida à hamburgaria de Miramar, um sítio muito local onde comi o melhor hambúrguer da cidade a seguir a um jogo de futebol com tudo o que se possa imaginar lá dentro (felizmente em Angola a ASAE ainda não funciona)...

A baleia que avistamos no Mussulo...

Correr durante quilómetros na contra costa do Mussulo numa praia deserta sem avistar ninguém para além de alguns pescadores locais...

A fila de trânsito completamente parada no regresso de um fim de semana do Mussulo que virou num festão improvisado com muita música, dezenas de pessoas a dançar, aos beijos, a beberem Cucas, algumas delas nuas, outras a descer a estrada em carrinhos de supermercado...

A Priscila, a professora de natação, que traçou um rigoroso plano de treinos de 8 semanas para nos preparar para a travessia de mar no Lobito (não tive coragem nem oportunidade de lhe dizer que a minha estadia só iria durar 3 semanas)...

E finalmente, o António, o motorista. Pela boa disposição, pelas conversas no carro, pelas lições de história, por me ter dito que apesar de branco pertenço a Angola, tenho “espírito Angolano”.

Daqui a umas horas vou aterrar em Lisboa e muito provavelmente vai estar frio e chuva, algo que já me tinha desabituado. Imagino que nas ruas já se comece a sentir a chegada do Natal nos enfeites e anúncios. Eu ainda vou ter de voltar uma outra vez em Angola antes do Natal…


quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Viagem a Benguela/Lobito

A última segunda-feira, 3 de Novembro, foi feriado em Angola, o que nos deu direito a aproveitar um fim-de-semana prolongado.
De facto, o feriado que estamos a celebrar é o dia de Todos os Santos, a 1 de Novembro, mas aqui em Angola institui-se que os feriados santos que caiem ao fim de semana são puxados para a segunda-feira.
Nós agradecemos a regra instituída e aproveitamos para nos aventurar numa ida até Lobito e Benguela, duas cidades costeiras que ficam cerca de 500 quilómetros a sul de Luanda.
A viagem para lá chegar não é fácil.
Depois de passar a habitual confusão da saída de Luanda entramos na estrada rumo ao sul que nos leva até ao nosso destino, passando pelas localidades de Cabo Ledo, Porto Amboim e Sumbe.
A estrada tem uma faixa para cada lado e não é muito movimentada, no entanto estamos constantemente a deparar-nos com camiões que nos obrigam a ultrapassagens perigosas. São frequentes os vestígios de acidentes durante o percurso mas com algum jeito lá fomos seguindo o nosso caminho sem grandes sobressaltos.
Outro problema de viajar em Angola é o abastecimento, o que explica que muitos carros andem sempre com bidons de gasolina extra.
Apesar da gasolina ser barata, cerca de 0,55€/litro, as bombas aqui estão sempre sobrelotadas. Mesmo às 6 da manhã em Luanda é possível encontrar filas de carros nas poucas bombas de gasolina da cidade para abastecer.
Saímos de Luanda às 7 da manhã com o depósito cheio e só voltamos a parar a meio da viagem, em Porto Amboim, para reabastecer, no entanto acabamos por encontrar uma bomba sem combustível, algo que parece ser comum em Angola.
Indicaram-nos que existia uma outra bomba na cidade, no entanto o cenário que aí encontrámos foi também desanimador.
Apesar de haver combustível, havia uma única bomba de abastecimento para uma fila de carros a perder de vista, à qual se acumulam outras duas filas desorganizadas, uma de motas e outra de pessoas com bidons amontoadas junto ao funcionário que já não tem mãos a medir para tantas solicitações.
O resultado deste caos foram duas horas de espera para voltar a encher o depósito.
Durante a espera fomos revezando-nos junto aos carros enquanto outros aproveitaram para conhecer um pouco melhor a localidade. Porto Amboim é uma vila costeira, com uma extensa praia a toda a costa e aparentemente pacata.
Finalmente estamos de novo na estrada em direcção ao nosso destino final. Pelo caminho somos surpreendidos com mais algumas paisagens de cortar a respiração que este país tem para conhecer e vai crescendo a vontade de transformar os três dias de fim-de-semana num mês de férias para poder explorar todas as belezas do país. Às 4 da tarde chegamos ao Lobito, arrasados por uma viagem de 9 horas.
Lobito é uma cidade que se desenvolveu em volta do seu porto marítimo, o maior de Angola. A cidade é bem mais organizada que Luanda, sem a confusão do trânsito e das pessoas, apesar de continuarmos a sentir que estamos no 3º mundo com um extenso musseque a cobrir toda a colina que rodeia a cidade.
Tal como Luanda, aqui também existe uma vasta área de praia, a zona da Restinga, com alguns restaurantes e mansões a dar ares de um país civilizado.
No dia seguinte fomos até Benguela conhecer a cidade a aproveitar para passar umas horas de descanso na praia.
Benguela fica um pouco mais a sul do Lobito, separadas apenas por uma viagem de 20 minutos. É a segunda maior cidade de Angola mas, tal como o Lobito, é bem mais organizada que Luanda. As ruas em Benguela são largas, com um traçado muito rectilíneo de paralelas e perpendiculares, quase a dar a sensação que foram pensadas a regra e esquadro. É frequente depararmo-nos com espaços verdes e algumas grandes mansões que resistiram do tempo colonial.
O fim-de-semana foi passando entre praia, passeios e jantares e segunda-feira de manhã estava marcado o nosso regresso a Luanda.
Na viagem de volta ainda houve tempo para fazer um desvio para visitar a zona da Cachoeira, onde existe uma cascata onde pudemos dar o mergulho e sentir a força das águas a bater no corpo antes de iniciar mais uma semana de trabalho.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Girabola, o jogo do título!

Este sábado foi dia de clássico!
O Petro de Luanda, equipa da petrolífera Sonangol, joga com o Primeiro de Agosto, equipa dos militares, num derby de equipas de Luanda que pode decidir o título.
A 3 jornadas do fim do campeonato o Petro é 1º classificado com 46 pontos e o D’Agosto 2º com 40, pelo que a vitória do Petro garante o título de campeão Angolano.
Sente-se que a cidade está toda mobilizada para o jogo. As notícias nos jornais e a reportagens na rádio junto dos adeptos e jogadores fazem lembrar o nosso Benfica-Sporting.
Falei com o António, o motorista, para irmos ver o jogo e apesar dos receios de confrontos ele acabou por me levar. Mais tarde convenci também o Pedro e a Catarina a virem comigo.
Às 15 horas de sábado o António passou por nossa casa para nos vir buscar. No caminho para o estádio ainda lhe perguntei se podia levar vestido a camisola de Angola, mas ele disse que era melhor não porque podia confundir-se com o equipamento do Petro e gerar problemas.
À chegada ao estádio havia o aparato normal da polícia e uma multidão de adeptos na rua. Dirigimo-nos às bilheteiras e depois de termos comprado os bilhetes por 1.000 kwanzas cada (10€) lá fomos para o jogo.
O Estádio dos Coqueiros, casa do Primeiro de Agosto, é um estádio simpático embora modesto quando comparado com os nossos estádios do Euro.
As bancadas estavam pintadas de amarelo (cor do Petro) e vermelho (cor do D’Agosto) e o ambiente é de festa.
O futebol dentro do campo acaba por não chamar muito a atenção e acabo por me concentrar mais no ambiente das bancadas. Mais uma vez aqui se nota a alegria deste povo que está constantemente a cantar ou a dançar.

Durante a primeira parte a grande explosão de alegria aconteceu quando a equipa da casa, o D’Agosto, marcou o golo. Explosão é mesma a palavra adequada! Milhares de pessoas saltam, dançam, correm, gritam, é a alegria total. No meio da festa o António, adepto do D’Agosto, ainda me dá um abraço!

A segunda parte começa com o Petro a pressionar para recuperar acabando mesmo por marcar e empatar o jogo. Foi novamente a festa! Mas desta vez as cores foram outras. O jogo acabou por chegar ao fim empatado 1-1, o que significa que o Petro ainda não garantiu o título de campeão. Mas com apenas 2 jogos para disputar e uma vantagem de 6 pontos fica difícil não ganhar…acho que só mesmo o António e os restantes adeptos do D’Agosto têm fé nesse milagre.

Regresso a Luanda

Passaram-se dois meses desde a última estadia em Luanda.
Foram 3 semanas de férias e uma longa espera pelo visto que teimava em não sair. Ora por problemas no BI, ora por perda dos papeis do visto por parte da embaixada a viagem de regresso marcada para 8 de Setembro acabou por só acontecer a 13 de Outubro.
Desta vez voltar a Luanda já não foi um choque. Senti que tudo me era familiar. O aeroporto rudimentar, a cidade desorganizada, a reboliço das pessoas continuam cá. Mas isso eu já conhecia e não me surpreenderam.
Aqui o tempo já está mais quente que em Lisboa. Lembro-me de passar pelo termómetro do edifício da Sonangol no dia da chegada e ver 30º. Nota-se que a temperatura subiu face a Agosto, é acima de tudo um calor abafado e não tarda nada para que comece a aparecer a chuva tropical e com ela virá também um calor que deve andar muito perto de ser insuportável.
Deixei Lisboa debaixo de um ambiente pesado causado pela crise económica que tem vindo a abalar todo o mundo…excepto Angola. Aqui não se sente crise e o ambiente continua a ser de prosperidade e crescimento.
As eleições de 5 de Setembro que consagraram o MPLA como partido de governo com uma maioria de mais de 80% não causaram quaisquer revoltas. Antes pelo contrário, a cidade parece viver tranquila e unida, com vontade de deitar mãos à obra em direcção ao progresso.
A minha chegada foi algo atribulada pela inexistência de cama para ficar nessa noite, mas com algum jeito lá acabei por ficar a partilhar quarto com o Nuno Gonçalves numa casa do bairro de Miramar, conhecido por ser o bairro mais chique da cidade (a par com o bairro de Alvalade) onde se situam algumas das maiores mansões da cidade, entre as quais a embaixada dos EUA e do próprio presidente de Angola que está neste momento a concluir a construção.
Finalmente ao segundo dia fui levado para a casa de Palm Beach onde devo ficar pelo menos até ao final do mês de Outubro.
Esta casa fica na zona chamada ilha, onde ficam as praias e alguns dos melhores restaurantes/bares da cidade. A zona à volta da casa é um verdadeiro bairro de lata, mas cá dentro vivemos com todos os confortos, incluindo uma piscina para um mergulho de fim de dia.
Desta vez o meu motorista vai ser o António. Soube que o Bruno já não trabalha para nós e não voltei a ter noticias dele…

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Fim da primeira estadia

Encontro-me agora no avião de regresso a Lisboa numa viagem que termina o fim da primeira estadia em Angola.
Ao final de quase três semanas o balanço é claramente positivo, tendo já ficado para trás a imagem sombria de Angola que me tinham pintado em Lisboa.
Vou partir para três semanas de férias bem merecidas para depois regressar a esta terra no dia 8 de Setembro (se tudo correr de acordo com o previsto).
Para mim vão ser apenas umas semanas de férias mas para este país vai ser um momento importante da sua história com a campanha eleitoral para as eleições que se realizam a 5 de Setembro.
São as primeiras eleições livres que o país vê realizar desde que estalou a guerra em 1992, originada pelo não reconhecimento dos resultados por parte da Unita, e nota-se um entusiasmo geral do povo angolano nas manifestações de apoio ao MPLA e UNITA, os dois principais partidos, através de cartazes, bandeiras e t-shirts um pouco por toda a cidade.
Quando regressar o Cacimbo já acabou e o calor de Verão tropical já se deve fazer sentir. Por essa altura devem estar a ser conhecidos os resultados finais das eleições e vai de certeza ser um momento único assistir na primeira pessoa às reacções do povo.
Agora é tempo de matar saudades de casa e repor energias mas feliz por saber que ainda vou regressar.

domingo, 10 de agosto de 2008

A vida fora de Luanda: Tranquilidade e descanso em Cabo Ledo

Este fim-de-semana quisemos cortar com a vida de cidade e conhecer algumas das paisagens naturais que Angola tem para nos oferecer. Decidimos ir até Cabo Ledo sobre o qual já me tinham elogiado a praia e as ondas.
Cabo Ledo fica a cerca de 120 km a sul de Luanda e a viagem só por si já vale a pena.
Após passarmos o congestionamento dos arredores de Luanda entramos numa paisagem tipicamente africana dominada por terra vermelha e árvores estranhas que não estamos habituados a ver e das quais nem sequer sei o nome, intercaladas por algumas palhotas dos locais da região.
Fomos percorrendo a estrada quase sempre acompanhados pela vista de mar e praia ao longe, dando a sensação que é quase possível fazer Angola de norte a sul a caminhar pela praia. Pelo caminho cruzamos alguns pontos de interesse que já nos tinham falado, o Miradouro da Lua, conhecido pelas formações rochosas que se assemelham à superfície lunar, a Barra do Kwanza, foz do famoso rio que dá nome à moeda do país e finalmente Cabo Ledo!
A praia de Cabo Ledo é uma extensa praia com vários quilómetros fechada a sul pelo próprio Cabo Ledo junto ao qual se forma uma onda que é talvez a mais famosa de Angola para o surf.
A entrada da praia é ocupada pelas palhotas dos pescadores que estes utilizam para montar as redes de pesca ou secar o peixe que vão depois vender a Luanda. Para os visitantes que queiram passar a noite, como nós, existem já uns bungalows rudimentares em cima da praia onde se pode comer uma grande jantarada de gambas e lagosta e nos fazer sentir algures nas Caraíbas.
Na praia vêem-se pescadores nos barcos e as respectivas mulheres a tratar do peixe com as crianças à volta. Muitas crianças felizes a brincar que ficam num completo delírio quando nos pomos a jogar à bola com eles. No meio destes locais acabamos por fazer amizade com dois rapazes de 12 anos, o Paizinho, bom jogador de futebol e o Bem Falado, que como o nome indica gosta de falar e demonstra uma conversa fora do vulgar para um Angolano daquela idade. Se continuar assim talvez consiga alcançar o seu sonho de ir para Portugal para ser engenheiro e construir muitas pontes.
Como tantos outros, estes rapazes estão neste momento de férias porque o Estado decretou o fecho de todas as escolas por um período de 45 dias que antecede as eleições e passam os dias a passear pela praia sem nada para comer porque a mãe foi para Luanda trabalhar e só volta na segunda com comida. Disseram-me que a única coisa que comeram durante todo o fim-de-semana foi mesmo uma sandes e umas maçãs que nós trazíamos connosco.
Acabamos por ir conhecer a casa dos dois novos amigos, uma palhota na zona das casas dos pescadores, onde para além de vermos de perto todo o movimento da aldeia conhecemos também a realidade do interior destas palhotas onde as camas são uns panos no chão e é possível ver ratos a passar. Apesar da pobreza ficamos surpreendidos com a simpatia destes 2 rapazes de apenas 12 anos ao trazerem cadeiras para a porta de casa para nos receber e se despedem de nós a dizer: “Se precisarem de alguma coisa já sabem onde fica a nossa casa”. À noite, depois de jantar e antes de dormir ainda houve tempo para um último passeio pela praia e gozar da tranquilidade que o mar, a noite e as estrelas nos oferecem.
A manhã de domingo trouxe o melhor acordar desde que cheguei a Angola, o barulho do mar e um banho de água salgada logo antes do pequeno-almoço fazem milagres pela boa disposição. Nesse dia decidimos caminhar os cerca de 3 quilómetros de extenso areal até à zona do Cabo onde nos tinham dito que havia ondas para o surf.
Nesta zona da praia estão uns quantos grupos de pessoas, na sua maioria brancos que se encontram também a trabalhar em Luanda, que aproveitam para se refugiar ali da confusão da cidade e curtir um dia de surf.
Eu e o Ricardo acabamos por pedir duas pranchas emprestadas a um grupo de franceses e fomos também nós aproveitar um bocado daquela onda. Confirma-se que a onde tem mesmo potencial. Uma esquerda lenta e fácil mas muito comprida que pode durar mais de 30 segundos. Concluímos que na nossa próxima vinda a Angola a prancha vai ser um elemento essencial da bagagem.
O dia foi passando e é tempo de regressar a Luanda.
Enquanto regressamos penso na pena que será se daqui a 10 anos voltarmos a este sítio e em vez das palhotas de pescadores encontremos grandes cadeias de resort a dominar a praia…