quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Fim da primeira estadia

Encontro-me agora no avião de regresso a Lisboa numa viagem que termina o fim da primeira estadia em Angola.
Ao final de quase três semanas o balanço é claramente positivo, tendo já ficado para trás a imagem sombria de Angola que me tinham pintado em Lisboa.
Vou partir para três semanas de férias bem merecidas para depois regressar a esta terra no dia 8 de Setembro (se tudo correr de acordo com o previsto).
Para mim vão ser apenas umas semanas de férias mas para este país vai ser um momento importante da sua história com a campanha eleitoral para as eleições que se realizam a 5 de Setembro.
São as primeiras eleições livres que o país vê realizar desde que estalou a guerra em 1992, originada pelo não reconhecimento dos resultados por parte da Unita, e nota-se um entusiasmo geral do povo angolano nas manifestações de apoio ao MPLA e UNITA, os dois principais partidos, através de cartazes, bandeiras e t-shirts um pouco por toda a cidade.
Quando regressar o Cacimbo já acabou e o calor de Verão tropical já se deve fazer sentir. Por essa altura devem estar a ser conhecidos os resultados finais das eleições e vai de certeza ser um momento único assistir na primeira pessoa às reacções do povo.
Agora é tempo de matar saudades de casa e repor energias mas feliz por saber que ainda vou regressar.

domingo, 10 de agosto de 2008

A vida fora de Luanda: Tranquilidade e descanso em Cabo Ledo

Este fim-de-semana quisemos cortar com a vida de cidade e conhecer algumas das paisagens naturais que Angola tem para nos oferecer. Decidimos ir até Cabo Ledo sobre o qual já me tinham elogiado a praia e as ondas.
Cabo Ledo fica a cerca de 120 km a sul de Luanda e a viagem só por si já vale a pena.
Após passarmos o congestionamento dos arredores de Luanda entramos numa paisagem tipicamente africana dominada por terra vermelha e árvores estranhas que não estamos habituados a ver e das quais nem sequer sei o nome, intercaladas por algumas palhotas dos locais da região.
Fomos percorrendo a estrada quase sempre acompanhados pela vista de mar e praia ao longe, dando a sensação que é quase possível fazer Angola de norte a sul a caminhar pela praia. Pelo caminho cruzamos alguns pontos de interesse que já nos tinham falado, o Miradouro da Lua, conhecido pelas formações rochosas que se assemelham à superfície lunar, a Barra do Kwanza, foz do famoso rio que dá nome à moeda do país e finalmente Cabo Ledo!
A praia de Cabo Ledo é uma extensa praia com vários quilómetros fechada a sul pelo próprio Cabo Ledo junto ao qual se forma uma onda que é talvez a mais famosa de Angola para o surf.
A entrada da praia é ocupada pelas palhotas dos pescadores que estes utilizam para montar as redes de pesca ou secar o peixe que vão depois vender a Luanda. Para os visitantes que queiram passar a noite, como nós, existem já uns bungalows rudimentares em cima da praia onde se pode comer uma grande jantarada de gambas e lagosta e nos fazer sentir algures nas Caraíbas.
Na praia vêem-se pescadores nos barcos e as respectivas mulheres a tratar do peixe com as crianças à volta. Muitas crianças felizes a brincar que ficam num completo delírio quando nos pomos a jogar à bola com eles. No meio destes locais acabamos por fazer amizade com dois rapazes de 12 anos, o Paizinho, bom jogador de futebol e o Bem Falado, que como o nome indica gosta de falar e demonstra uma conversa fora do vulgar para um Angolano daquela idade. Se continuar assim talvez consiga alcançar o seu sonho de ir para Portugal para ser engenheiro e construir muitas pontes.
Como tantos outros, estes rapazes estão neste momento de férias porque o Estado decretou o fecho de todas as escolas por um período de 45 dias que antecede as eleições e passam os dias a passear pela praia sem nada para comer porque a mãe foi para Luanda trabalhar e só volta na segunda com comida. Disseram-me que a única coisa que comeram durante todo o fim-de-semana foi mesmo uma sandes e umas maçãs que nós trazíamos connosco.
Acabamos por ir conhecer a casa dos dois novos amigos, uma palhota na zona das casas dos pescadores, onde para além de vermos de perto todo o movimento da aldeia conhecemos também a realidade do interior destas palhotas onde as camas são uns panos no chão e é possível ver ratos a passar. Apesar da pobreza ficamos surpreendidos com a simpatia destes 2 rapazes de apenas 12 anos ao trazerem cadeiras para a porta de casa para nos receber e se despedem de nós a dizer: “Se precisarem de alguma coisa já sabem onde fica a nossa casa”. À noite, depois de jantar e antes de dormir ainda houve tempo para um último passeio pela praia e gozar da tranquilidade que o mar, a noite e as estrelas nos oferecem.
A manhã de domingo trouxe o melhor acordar desde que cheguei a Angola, o barulho do mar e um banho de água salgada logo antes do pequeno-almoço fazem milagres pela boa disposição. Nesse dia decidimos caminhar os cerca de 3 quilómetros de extenso areal até à zona do Cabo onde nos tinham dito que havia ondas para o surf.
Nesta zona da praia estão uns quantos grupos de pessoas, na sua maioria brancos que se encontram também a trabalhar em Luanda, que aproveitam para se refugiar ali da confusão da cidade e curtir um dia de surf.
Eu e o Ricardo acabamos por pedir duas pranchas emprestadas a um grupo de franceses e fomos também nós aproveitar um bocado daquela onda. Confirma-se que a onde tem mesmo potencial. Uma esquerda lenta e fácil mas muito comprida que pode durar mais de 30 segundos. Concluímos que na nossa próxima vinda a Angola a prancha vai ser um elemento essencial da bagagem.
O dia foi passando e é tempo de regressar a Luanda.
Enquanto regressamos penso na pena que será se daqui a 10 anos voltarmos a este sítio e em vez das palhotas de pescadores encontremos grandes cadeias de resort a dominar a praia…

O dia a dia de trabalho

Duas semanas de trabalho quase completas já são suficientes para me aperceber do ritmo de trabalho nesta cidade.
Em Luanda o dia de trabalho começa cedo. Acorda-se às 7.30 com o pequeno-almoço posto na mesa pela Gracinda e pela Avozinha e o Bruno apanha-nos por volta das 8.15 para nos levar para o escritório numa viagem de 15 minutos por entre o trânsito caótico da cidade que promete prolongar-se ainda mais quando chegar a estação das chuvas.
Constantemente temos sido os últimos a chegar ao escritório já que o resto da equipa tem conseguido cumprir quase religiosamente com a hora de entrada “oficial” das 8 da manhã.
O escritório fica no último andar de um prédio da marginal com uma mega varanda onde podemos fazer uma pausa para nos inspirarmos com a vista espectacular sobre toda a Baía de Luanda.
Entre trabalho, mails, reuniões, e algumas conversas para descomprimir o dia decorre normalmente e apenas nos lembramos que estamos em Luanda nas reuniões em que do outro lado da mesa somos confrontados com um conjunto de pessoas de raça negra ou quando saímos para almoçar num dos poucos restaurantes das redondezas e sentimos a diferença de ritmo desta cidade face a Lisboa. Mesmo no trabalho os Angolanos são pessoas humildes e estão sempre muito mais dispostos a ouvir do que a falar.
De uma forma geral são menos sofisticados do que aquilo a que estamos habituados em Portugal e temos sempre de falar de uma forma bem pausada e sem grandes “palavrões” para garantir que a nossa mensagem é percebida. No entanto sinto que sentem um enorme respeito por nós e dão grande valor a tudo aquilo que nós dizemos.
O fim do dia de trabalho chega por volta das 19.30 excepto às sextas em que normalmente o grupo acaba um bocado mais cedo para beber uma cerveja na varanda do escritório num momento de descompressão da semana. Quando finalmente conseguimos ter algum tempo para nos dedicar a outras actividades as opções não são muitas em Luanda durante a semana. Um jogging ao longo da Baía, um jogo de futebol, um jantar com amigos num dos restaurantes da cidade ou simplesmente ter um momento de descanso enquanto nos actualizamos das novidades de Portugal têm sido as principais preferências durante estes dias.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Bruno, o motorista

Uma das regalias que a empresa nos concede é um motorista. Na verdade o motorista não está totalmente à nossa disposição porque normalmente temos que o partilhar com mais uma ou duas pessoas, o que algumas vezes implica alguma ginástica na rotina diária para conseguirmos acomodar as vontades de todos.
O motorista que me foi atribuído é o Bruno que tenho de partilhar com o Alex.
O Bruno é um Angolano de Luanda com 29 anos e muitos familiares em Portugal, segundo o que ele diz. Tem uma filha de uma antiga relação com uma namorada e desde que o conheço anda sempre com uma braçadeira preta no braço esquerdo em sinal de luto pela morte da mãe por diabetes há quatro meses atrás.
Como a maioria dos Angolanos apresenta-se sempre altamente prestável e raramente é capaz de dizer que não sabe ou não conhece um sítio, apesar de algumas vezes vir a descobrir depois que ele não faz a mínima ideia do sítio que lhe estamos a falar.
A primeira vez que o conheci comecei a puxar por ele para saber onde eram os bares e discotecas da cidade e ele assumiu-se logo com um homem da noite da Luanda. “Ó João tás comigo não tens problema. Eu conheço todos os sítios de noite onde estão as melhores garotas”. A partir daí ficou quebrado o gelo e de vez em quando lá acabamos a rir-nos com conversas sobre as miúdas angolanas.
Apesar de ter uma namorada séria com quem diz querer casar-se, o Bruno não perde uma oportunidade de conhecer uma miúda nova e tentar a sua sorte. Nas palavras do próprio: “Ó João, eu não vacilo em frente de uma miúda”.
No outro dia na praia conhecemos uma rapariga, a Cláudia, de quem o Bruno gostou muito e pediu-me para arranjar o número para lhe ligar. Soube depois que chegou mesmo a ligar, embora sem grande sucesso…
No fundo a Bruno é igual a maioria de todos os outros Angolanos que vivem numa cultura em que enganar o marido/mulher não tem grande importância. As sextas-feiras são mesmo conhecidas como o “Dia do Homem”, em que os homens podem sair de casa até às horas que bem lhes apetecer sem ter que dar qualquer tipo de satisfação às mulheres.
Para além de motorista o Bruno também tem sido o meu guia da cidade de Luanda. Ele vai-nos mostrando alguns sítios da cidade e dentro das suas limitações lá nos vai explicando aquilo que consegue, sempre com muitos “ya” e “fixe” à mistura porque a linguagem dos angolanos é mesmo assim. Se eu próprio no início fiz algum esforço para me tentar pôr ao nível e usar uma linguagem parecida, sinto que a pouco e pouco esta linguagem me vai saindo cada vez com mais naturalidade mesmo em ambientes que podem requerer uma postura mais formal.
Ás vezes, quando estou de fato, o Bruno trata-me por “chefe”, apesar de eu já lhe ter dito que não sou chefe de ninguém e para ele me chamar “amigo” se não me quer tratar pelo nome.
No fundo, e apesar de já o ter chamado à atenção por uma vez quando me deixou “plantado” na marginal 1 hora à espera dele, o Bruno tem sito um bom motorista/amigo e sinto que ele também gosta de mim. Diz que me vai trazer a fotografia da família dele para eu conhecer a avó que é uma Argentina de raça branca e que me vai arranjar a T-shirt do MPLA da campanha para as eleições que eu lhe tenho pedido para talvez um dia ainda irmos a um comício do Presidente Eduardo dos Santos.

domingo, 3 de agosto de 2008

Mercado do Roque Santeiro

O nome deste mercado surgiu por causa da novela do Roque Santeiro, que tal como em Portugal também gozou de grande popularidade em Angola.
Dizem que o Mercado do Roque Santeiro é o maior mercado de África e o sítio onde se movimenta mais dinheiro em Angola.
Neste mercado encontra-se de tudo, desde produtos básicos, como pão e vegetais, aos produtos mais estranhos, diamante, droga, armas ou mesmo contratar capangas para matar alguém. Há de tudo, só é preciso saber procurar.
Hoje (domingo) acordei decidido a conhecer este lugar, apesar dos constantes avisos para me manter afastado, mas que apenas contribuíram para aumentar ainda mais a minha curiosidade.
Como companhia tive o Bruno, o motorista que também tem sido o nosso guia de Luanda e depois de algum receio lá acabei por conseguir convencer o Alex e o Ricardo a acompanharem no passeio.
A entrada do mercado faz-se pelo musseque do Bairro Popular que nos manda para uma realidade fora do nosso mundo, onde sentimos que somos olhados como estranhos mas ao mesmo tempo exerce um fascínio por estarmos a conhecer uma realidade que nunca antes tínhamos visto de tão perto.
Apesar de ser domingo, o dia mais fraco do mercado, existe gente por toda a parte a comprar e a vender o mais diverso tipo de produtos. Misturamo-nos com a multidão para ver de perto o que o mercado tem para oferecer e eventualmente comprar alguma coisa que nos desperte a atenção.
Passeamos por entre bancas de musica, colares, roupa, vegetais, frutas, carvão, carne…Tudo exposto de uma forma muito crua e pouco elaborada mas que, juntamente com a o reboliço das pessoas, desperta em nós um conjunto de sensações que nos deixa absolutamente deslumbrados com o que nos rodeia.
O passeio acabou sem que tivéssemos comprado nada, mas nas nossas cabeças ficou uma imagem forte do famoso mercado a céu aberto do Roque Santeiro.

O Mussulo

Este sábado o grupo foi passar o dia na ilha do Mussulo.
Apesar de se chamar ilha do Mussulo, trata-se de uma península a sul de Luanda, famosa pelas praias, onde uma boa parte da elite de Luanda tem grandes mansões que utilizam como casa de fim-de-semana ou férias.
Para se chegar ao Mussulo é preciso enfrentar o trânsito de saída da cidade até ao cais do embarcador onde por 500 kwanzas (~5€) se pode apanhar um barco para atravessar para a ilha. Logo à chegada ao cais do embarcador somos abordados por uma quantidade de miúdos a querer vender-nos a viagem no seu barco. Sem grandes negociações, até porque o preço já está instituído, acabamos por ir no barco do Claúdio “Pezinho” um miúdo angolano de 12 anos encarregue de tratar da logística dos coletes salva-vidas.
A viagem de barco até ao Mussulo dura cerca de 15 minutos mas nem damos pelo tempo passar tal é a beleza da paisagem à nossa volta.
Tal como tínhamos pedido desembarcamos numa zona mais a sul da península onde fica situado o “Bar Sul”, um dos poucos bares existentes na ilha já que o resto são essencialmente mansões privadas.
Nesta altura do ano estamos no Inverno de Angola, ou como eles chamam, o Cacimbo, e por isso a praia está relativamente vazia, ainda que as temperaturas estejam por volta de 25º e o céu azul, condições mais que suficientes para gozar um dia de praia espectacular.
O Bar Sul é um bar completamente voltado para o estilo de vida ocidental com tudo para se poder gozar um bom momento de qualidade. Palhotas, espreguiçadeiras almofadadas, um ambiente muito chill-out, uma rede de volei e caro!
O dia passa-se bem e depressa entre banhos, almoço, vólei e um passeio até à contra costa da ilha para conhecer a praia voltada para o Atlântico.
A praia da contra costa é mais deserta e também mais suja, com o lixo de Luanda que o mar se encarregou de trazer. Aqui o mar também é mais frio e ondulado e dado que o dia já ia longo acabamos por passar o mergulho.
Por volta das 5 horas é tempo de regressar até porque começa a ficar frio. O sol nesta altura do ano põe-se pouco depois das 6.
O objectivo de conhecer a ilha viver um momento de qualidade está cumprido e de certeza que este é um sitio para voltar várias vezes ao longo da estadia.

sábado, 2 de agosto de 2008

A cidade de Luanda






Luanda é uma cidade que cresceu demais num curto espaço de tempo.
A conjuntura criada pela guerra fez com que uma cidade que estava dimensionada para cerca de 500 mil habitantes esteja actualmente a albergar uma população de 4 a 5 milhões de habitantes fazendo com que as condições de vida nem sempre sejam as melhores.
Por todo a parte onde existia um descampado cresceram os musseques, autênticos bairros de lata onde vivem milhares de pessoas, com casas a ser levantadas em de um dia para o outro.
O resultado deste crescimento brusco e descontrolado é uma cidade completamente caótica, com lixo nas ruas, trânsito, estradas esburacadas e edifícios semi destruídos ocupados de forma anárquica.
Para além da cidade, os efeitos deste crescimento também se fizeram sentir na população. Maioritariamente pobre, estamos sempre a ser confrontados com pedintes, especialmente miúdos, e o clima de crime e insegurança está constantemente a pairar, embora eu ainda não o tenha sentido de uma forma real o que me faz também acreditar que é uma coisa incutida pela própria empresa para evitar que as pessoas se aventurem demais.
Apesar deste cenário aparentemente desolador Luanda é uma cidade com um encanto muito especial.
Dominada por tons de vermelho da terra africana, a cidade tem um ritmo muito quente que nos faz sentir naturalmente descontraídos para o qual também contribui a espontaneidade, simpatia e simplicidade das pessoas.

Como é de esperar numa cidade de um país de 3º mundo, o comércio de lojas ainda está muito pouco desenvolvido, sendo praticamente inexistente.
Para compensar a falta de lojas, os vendedores de rua estão por toda a parte a vender as mais variadas coisas. Entre os vendedores sentados no passeio a vender cartões de telemóvel, bolachas, engraxadores ou as senhores com alguidares na cabeça com peixe ou bebidas é possível ver um bocado de tudo.
A cidade não tem propriamente atracções turísticas nem grandes monumentos. Resta-lhe apenas alguns edifícios emblemáticos do tempo do colonialismo português que se conseguiram salvar da degradação provocada pela guerra, e os novos que se têm construído nos últimos anos, dos quais se destaca o prédio da Sonangol.
A maior atracção da cidade é mesmo a Baía de Luanda que se estende por vários quilómetros entre o centro da cidade, onde estão situadas as sedes de algumas das principais empresas de Angola, até à zona da Ilha, conhecida pelas praias e pelos restaurante e bares da moda.
Apesar de poluída a Baía é um sítio de uma beleza espectacular especialmente ao pôr-do-sol quando a paisagem fica carregada de tons vermelhos e alaranjados. Por esta hora a zona do calçadão da Baía torna-se o principal centro de lazer com várias pessoas a correr ao longo da marginal e casais de namorados sentados nos bancos de jardim.